O que há?
- O que há em mim é sobretudo cansaço —
- Não disto nem daquilo,
- Nem sequer de tudo ou de nada:
- Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
- Cansaço.
- A sutileza das sensações inúteis,
- As paixões violentas por coisa nenhuma,
- Os amores intensos por o suposto em alguém,
- Essas coisas todas —
- Essas e o que falta nelas eternamente —;
- Tudo isso faz um cansaço,
- Este cansaço,
- Cansaço.
- Há sem dúvida quem ame o infinito,
- Há sem dúvida quem deseje o impossível,
- Há sem dúvida quem não queira nada —
- Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
- Porque eu amo infinitamente o finito,
- Porque eu desejo impossivelmente o possível,
- Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
- Ou até se não puder ser...
- E o resultado?
- Para eles a vida vivida ou sonhada,
- Para eles o sonho sonhado ou vivido,
- Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
- Para mim só um grande, um profundo,
- E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
- Um supremíssimo cansaço,
- Íssimno, íssimo, íssimo,
- Cansaço... (Álvaro de Campos / Fernando Pessoa)